Artigos e Estudos sobre Corporate Governance

Exportar regras de corporate governance é perigoso

Lawrence A. Cunningham veio a Portugal, a convite do Instituto dos Valores Mobiliários, apresentar as suas propostas para a revisão da Lei Sarbanes-Oxley, o diploma que pretende melhorar os mecanismos de controlo interno das empresas. Em entrevista ao PortalExecutivo, o professor de Economia e Direito do Boston College explica o que deve mudar e como Portugal pode contribuir para a criação de novas normas - POR LUIS BATISTA GONÇALVES

20050512 ExportarRegrasDe© www.bc.edu

São três as propostas de Lawrence A. Cunningham para a revisão da Lei Sarbanes-Oxley (SOX). De acordo com o professor de Economia e Direito do Boston College, a solução para tornar mais eficazes os mecanismos de controlo interno das empresas passa pela "reformulação do processo de reforma", pela "avaliação dos comités de auditoria" e pela "demonstração dos riscos financeiros". Para o académico, que nos passados dias 9 e 10 de Maio esteve em Portugal a convite do Instituto dos Valores Mobiliários, a demonstração dos riscos financeiros constitui "o mecanismo revolucionário que pode resolver as enfermidades do sistema", disse, durante as conferências que proferiu na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e na da Universidade de Lisboa, realizada no âmbito do programa do nono curso de pós-graduação em Direito dos Valores Mobiliários que aquele estabelecimento está a promover.

Na opinião de Lawrence A. Cunningham, depois de terem demonstrado que não têm condições para regular o processo de globalização em curso, não devem ser os EUA a determinar o futuro das políticas de corporate governance, uma ideia que retomou durante a entrevista concedida ao PortalExecutivo, sugerindo mesmo que Portugal pode, isoladamente ou integrado num grupo de países, liderar um processo de inovação que possibilite a criação de novas normas que poderiam, depois, ser adoptadas internacionalmente."Exportar regras de corporate governance é perigoso, sobretudo quando estas resultam de um compromisso interno", afirma, contudo, o especialista, que também não poupa críticas à forma de actuação das comités de auditoria definida pela SOX."Em vez de reduzir os conflitos de interesse internos, incentiva-os e estimula-os", garante.

Se as suas propostas fossem aceites, o que é que mudaria?

Os relatórios financeiros e a corporate governance melhorariam consideravelmente. Os números seriam mais precisos, os gestores seriam mais eficientes, o capital seria melhor alocado, os investidores estariam mais protegidos e aumentaria de uma forma significativa o rendimento económico em 60 países do mundo.

E como é que isso pode ser feito?

Estas melhorias exigem que os políticos de alguns países tomem algumas decisões que estimulem este processo, especialmente no que respeita à demonstração de riscos financeiros. Mas para tal eles têm de acreditar verdadeiramente nisto e perceber que podem retirar dividendos políticos de todo este processo. Para muitos deles não basta saber que existirão benefícios contínuos. Eles terão de reconhecer que, isoladamente ou em blocos de países, têm alguma margem de manobra para assumir a liderança no que respeita à demonstração desses riscos e à criação de novas normas. E eu até penso que essa margem de manobra é considerável. Relativamente à certificação dos comités de auditoria, a segunda proposta que aqui apresentei, a Europa, e mais particularmente a União Europeia, começará brevemente a debater esses comités de corporate governance e eu defendo que esta minha proposta deveria constar dessa agenda. Penso que, se ela fosse discutida, seria apoiada. Eu acho que os EUA já aprenderam a lição de que não podem ser eles a regular o processo de globalização. Da próxima vez que o Congresso norte-americano decidir intervir, acredito que terá em conta os diferentes pontos de vista internacionais, logo a partir de uma fase inicial, porque não há nada na actual lei que impeça as empresas de adoptarem isto.

Disse, durante as suas apresentações, que as suas propostas não são perfeitas. Em que é que falham?

Primeiro, respondo a essa sua pergunta de uma maneira mais filosófica: nada é perfeito! As minhas propostas devem, contudo, ser avaliadas com base numa perspectiva realista e não se esperar que sejam elas que nos conduzirão ao nirvana e resolverão tudo. Não é possível ter soluções definitivas para questões como estas. A minha proposta de demonstração dos riscos financeiros, em particular, como eu aqui disse, não é perfeita, porque não resolve todos os problemas. Há uma série deles que, ainda que possam surgir de outras formas, vão continuar a existir. Mas, no essencial, nenhum se agravará e muitos poderão mesmo ser eliminados. Os economistas têm-se referido a esta matéria como o ideal de Pareto, em homenagem a Vilfredo Pareto, um economista italiano [do século XIX], que formulou uma teoria sobre a optimização económica e penso que estas propostas satisfazem essa condição. Nada ficará pior e algumas coisas melhorarão. Este modelo não é perfeito mas tem vantagens face ao actual.

E se as suas propostas não forem aceites e implementadas? O que poderá acontecer?

Continuaremos a evoluir lentamente e a assistir a roturas pontuais. Ocasionalmente, serão feitas reformas da regulação, mas o meu palpite é que, da próxima vez que for feita uma revisão da lei, embora eu pense que nos tempos mais próximos o Congresso não voltará a mexer nisto, algumas das propostas que apresentarei aqui farão parte do leque das que os reguladores analisarão. De qualquer maneira, na minha opinião, é melhor ser proactivo do que reactivo. Mas, geralmente, em vez de procurarmos antecipar, prevenir e dar resposta aos problemas, o primeiro impulso é sermos reactivos.

Não sei até que ponto é que conhece a realidade portuguesa mas, de um modo geral, pensa que o País está consciente das alterações que esta lei implica e está preparado para adoptar as suas propostas?

O que conheço de Portugal são basicamente as empresas que estão e estiveram cotadas na Bolsa de Nova Iorque, como a EDP, o BES e a PT. A EDP e o BES souberam tirar partido das isenções que a Securities and Exchange Commission (SEC) - o equivalente à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários - concedeu. Por isso, se calhar, não terão tanto interesse em adoptá-las, porque me parece não terem sido muito afectados por isto, nem sequer que estejam muito preocupados com isto. E eu percebo-o. Cumprir todos os requisitos a 100 por cento é muito dispendioso. Contudo, penso que poderiam ser um catalisador e liderar este processo em Portugal e, talvez, levá-lo mesmo até Bruxelas. Se países como o vosso, ou mesmo o vosso integrado num bloco de países, inovassem e liderassem este processo, poderiam ser criadas novas normas que poderiam ser seguidas internacionalmente. Eu compreendo, no entanto, a vossa situação. Portugal ainda tem muito em comum com países como a Itália, onde a maioria das empresas está muito ligada à produção industrial e agrícola, e em que são as famílias que dirigem e controlam os seus próprios negócios. Este tipo de organizações enfrenta outro tipo de problemas de gestão. Estas questões de que tenho estado aqui a falar não dizem muito à maior parte das empresas portuguesas. Para muitas, provavelmente, este tipo de questões nem sequer se coloca. Têm outros problemas, que exigem outro tipo de soluções, mas não os conheço com grande exactidão.

Os requisitos a que a Lei obriga

 

Considerada a maior reforma da legislação do mercado de capitais dos EUA desde o crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), regulamentada em Julho de 2002, na sequência dos escândalos financeiros que envolveram empresas como a Enron, a Worldcom e a Arthur Andersen, estabelece regras que visam a padronização e o aperfeiçoamento dos mecanismos de controlo financeiro das empresas, tornando-os mais eficazes e transparentes. Estes são, em traços gerais, os principais requisitos a que a Lei obriga:

  • Certificações assinadas pelo presidente e pelo director financeiro da empresa
  • Proibição de concessão de empréstimos a conselheiros e directores
  • Divulgação da adopção ou não de um código de ética para os administradores
  • Restrição quanto à prestação de serviços de consultoria pelos auditores independentes aos seus clientes
  • Controlos internos deverão ser divulgados em relatórios específicos anexos aos relatórios anuais
  • Empresas obrigadas a uma rotatividade de sócios-auditores de cinco em cinco anos
  • Criação de um comité de auditoria, que deverá ser constituído por elementos independentes, segundo estipulam as regras da SEC
  • Divulgação no Form 20-F da existência ou não de um especialista financeiro no comité de auditoria
  • Divulgação no site institucional da empresa ou no Form 20-F das práticas de corporate governance adoptadas

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