Bicefalismo de novo em debate
Depois das questões que se têm levantado sobre a adopção do sistema de corporate governance que assenta na co-existência de um Chairman e de um CEO, fica mais claro, em Portugal, o que há um ano William T. Allen, director do Centro de Direito Empresarial da Universidade de Nova Iorque, explicou em entrevista sobre o debate internacional deste tema . POR JORGE NASCIMENTO RODRIGUES
O bicefalismo justifica-se em casos particulares, nomeadamente em grupos empresariais familiares em situação de transição de sucessão. Excluindo essas circunstâncias é, regra geral, um elemento de intriga política e de instabilidade estratégica. Torna-se assim actual a republicação, no PortalExecutivo.com, do artigo publicado em Outubro de 2003 no Expresso e a entrevista em inglês concedida por Allen ao portal Gurusonline.tv em Setembro de 2003 em Nova Iorque.
O risco de intriga nas empresas cotadas
A moda nascente de um poder bicéfalo nos grandes grupos em bolsa com uma separação formal entre um presidente não-executivo e um director-geral é colocada em causa por um número crescente de académicos de management. William T. Allen, director do Centro de Direito Empresarial da Universidade de Nova Iorque e que foi presidente do organismo regulador Independence Standards Board, explica porquê
»» Separar a liderança entre presidente ("chairman of the board", na gíria anglo-saxónica) e director-geral (CEO, também naquela gíria) nas empresas cotadas pode ser uma péssima solução. Quem o afirma é o académico norte-americano William T. Allen, director do Centro de Direito Empresarial da Universidade de Nova Iorque. Allen não é um especialista qualquer - trata-se do ex-presidente do organismo regulador Independence Standards Board, criado em concordância com a SEC (Securities and Exchange Commission), continua a ser membro do Comité de Assuntos Jurídicos da Bolsa de Nova Iorque (NYSE) e foi chanceler de uma das áreas do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Delaware, por onde passa o grosso dos litígios em matéria empresarial nos Estados Unidos.
"Ao dividir o papel da liderança empresarial coloca-se o poder nas mãos de alguém - o presidente não-executivo - que estará certamente menos informado sobre o negócio e os mercados do que o CEO", refere este especialista. E sublinha, ainda mais explicitamente: "Esta moda ameaça abrir uma caixa de Pandora de um clima de intriga e de alianças fraccionistas ainda maior dentro do grupo sénior de gestão. Reduz inclusive o papel e a responsabilidade da figura de director 'externo', que a partir de agora sentirá que a haver problemas e conflitos de interesse, serão preocupação para outra pessoa "o presidente".
As convicções de Allen estão desenvolvidamente expressas na secção de Opinião da revista norte-americana Harvard Business Review (edição de Setembro, volume 81, número 9). No artigo "Em defesa do lugar de CEO" ("In Defense of the CEO Chair"), ele contesta abertamente a nova moda de exigir como "boa prática" nas empresas cotadas a separação daqueles papeis.
O tema tornou-se prato forte entre os "fazedores de opinião" - alguns deles, naturalmente, candidatos aos lugares de presidentes não-executivos - nos EUA e na Europa, desde que, em Janeiro último, um relatório do Conference Board da Commission on Public Trust and Private Enterprise recomendou esta estrutura de topo bicéfala, refere William Allen.
Neste Conference Board participou gente de renome como Andrew Grove, fundador da Intel, Arthur Levitt, ex-presidente da SEC, Lynn Paine, conhecida professora da Harvard Business School, e Paul Volcker, ex-presidente do FED (Banco Central), que foi liderada por Peter G. Peterson, presidente da Reserva Federal de Nova Iorque, e John Snow, ex-presidente da The Business Roundtable, um organismo de CEOs apostados em melhorar as políticas públicas. O relatório divulgado, então, baseou-se no ponto mais baixo da opinião pública em relação aos gestores de topo nos EUA em meados de 2002 - 79% dos inquiridos achavam que eram generalizadas as acções "impróprias" por parte dos CEO, 73% opinavam que não era gente "confiável" (apenas os vendedores de carro seriam ainda menos confiáveis) e ainda 73% considerava que a "má conduta" dos gestores de topo era derivada de cinismo, baixa moral e indiferença.
Malefícios do contra-poder
Mas, para Allen, a moda actual de "duopólio" de poder parece esquecer mais de oitenta anos de prática de gestão empresarial. Diz o professor de direito empresarial: "O motor central da eficiência empresarial é a equipa de gestão de topo. A separação proposta reduz a autoridade do CEO. A eficiência organizacional exige a liderança num só lugar. Dois centros de poder apenas criarão maior potencial para tensões organizacionais e instabilidade".
Para este especialista, o caminho mais seguro para contrabalançar os desmandos e crimes dos gestores de topo, nomeadamente durante o período da "bolha" especulativa, é"prosseguir na linha das reformas de legislação já iniciadas" - na área da exigência de uma total transparência na regulamentação da actuação dos auditores, que Allen considera "a mais importante área de reforma", e na afinação das regras sobre a independência requerida aos directores e na exigência de que todos os membros do Comité de "governação" sejam externos. Allen aceita que este comité actue como se fosse uma espécie de "ombundsman" dos accionistas, inclusive atento aos interesses dos minoritários, quando estes são uma maioria sem capacidade de controlo da eleição dos órgãos sociais. Mas rejeita a ideia de introdução de um novo contra-poder exercido pelo presidente não-executivo do conselho de administração.
Este novo contra-poder, apesar da sua independência e do relativo distanciamento com que é desenhado, pode conduzir a carreiras pessoais de influência política usando os grandes grupos cotados ou actuar como governo "sombra" ao serviço de um dado accionista de referência, que, ainda que minoritário, aspira a controlar o andamento do negócio, independentemente da correlação de forças real na assembleia e na direcção.
Leia a entrevista a William T. Allen (em inglês)
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