Princípios comuns para diferentes códigos
Na primeira conferência do IPCG, realizada no passado dia 14 de Abril, vários especialistas defenderam que os códigos devem ser flexíveis e que em vez de regras devem conter princípios.
Códigos podem haver muitos, mesmo quando estão em causa os mesmos princípios. Na primeira conferência do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), realizada no passado dia 14 de Abril na Culturgest, em Lisboa, vários especialistas defenderam que os códigos devem ser flexíveis e que em vez de regras devem conter princípios. Numa altura em que o IPCG prepara o Livro Branco sobre Corporate Governance, a apresentar até ao final de Julho, Brasil, Reino Unido e Holanda deram-nos a conhecer as suas visões sobre o Governo das Sociedades - POR ROGER MOR
"A CMVM tem sido um farol porque tem sabido trazer, com acuidade, à reflexão os temas da Corporate Governance", declarou o presidente da direcção do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), Manuel Alves Monteiro, naquela que foi a primeira conferência desta instituição. Assim, ninguém melhor do que a própria Comissão de Mercados e Valores Mobiliários, na pessoa do presidente do seu conselho directivo, Fernando Teixeira dos Santos, para iniciar o encontro."As sociedades cotadas têm a obrigação de transparência perante o mercado para evitar a assimetria de informação entre quem estáà frente da empresa e os accionistas", afirmou Fernando Teixeira dos Santos no encontro que decorreu no passado dia 14 de Abril na Culturgest.
O presidente da CMVM deixou claro que uma maior transparência na informação reportada permite evitar conflitos de interesses e promove uma participação mais activa dos accionistas. Esta participação, ou melhor, a falta dela, foi outro dos problemas que Fernando Teixeira dos Santos acredita ver resolvida com a adopção de um modelo de Corporate Governance. A par desta transparência, são igualmente necessários mecanismos internos que garantam a fidedignidade da informação financeira prestada.
"É fundamental ter mecanismos que assegurem uma participação mais ampla dos accionistas na vida das empresas", sublinhou. A este propósito, sugeriu alterações ao sistema de legitimação para o exercício de voto. Como explicou, o accionista precisa de um certificado para atestar o seu direito de voto. Mas este certificado bloqueia as suas acções, impedindo que estas sejam transaccionadas durante um determinado período de tempo."Este bloqueio das acções é um entrave ao exercício de voto", declarou Fernando Teixeira dos Santos, que é adepto de uma revisão desta matéria de modo a que os accionistas possam votar sem que as suas acções fiquem bloqueadas.
Outro dos problemas levantados prende-se com a clarificação dos papéis dos administradores executivos e não executivos. Segundo o presidente da CMVM, há que definir com maior clareza em que consiste um administrador independente.É para estas e outras questões que as regras de Corporate Governance podem ser uma ferramenta poderosa. Um código de Corporate Governance, nas palavras de Fernando Teixeira dos Santos, "é um conjunto de regras de boa conduta quanto à organização, gestão e relacionamento das sociedades com o mercado accionista, em especial das empresas cotadas". Este código permitirá acautelar o legítimo interesse de todos e reduzir a possibilidade de conflitos de interesses, acrescentou.
Foi a CMVM a responsável pelas primeiras recomendações de Corporate Governance que surgiram em Portugal, em 1999. Essas recomendações viriam a dar lugar, algum tempo mais tarde, a uma abordagem combinada com padrões mínimos exigíveis e recomendações de boa conduta."As empresas são livres de acatar ou não as recomendações, mas se não o fizerem espera-se que elas reportem ao mercado por que razão não as aceitam", declarou. Com esta abordagem, a CMVM introduz um elemento de flexibilidade que permite às empresas ajustar algumas das recomendações às especificidades do sector ou à cultura organizacional da própria empresa. Fernando Teixeira dos Santos afirmou-se desfavorável a uma atitude coerciva como forma de levar as empresas a adoptar as recomendações lançadas. Decorridos quase seis anos, o presidente da CMVM reconheceu que houve progressos, mas que em determinados sectores é necessário um maior desenvolvimento.
Avançou também a necessidade de reforçar o papel dos administradores não executivos, conferir maior ênfase às comissões de controlo interno e esclarecer algumas questões quanto ao reporte das práticas remuneratórias das empresas. O presidente da CMVM mostrou-se confiante no futuro da Corporate Governance."Vários estudos provam o valor económico da Corporate Governance. Logo, quando as empresas se derem conta disso, vão adoptar as recomendações", declarou.
Flexibilidade é palavra de ordem
Outro dos passos que poderá vir a ter um papel importante na disseminação das práticas de Corporate Governance é o lançamento, ainda este ano, do Livro Branco. Artur Santos Silva, presidente do conselho geral do Instituto, estáà frente desta tarefa e adiantou que o Livro Branco sobre Corporate Governance deverá ser apresentado até ao final de Julho. Ao fazer o ponto de situação, adiantou que o IPCG conta, nesta tarefa, com a ajuda do ex-comissário europeu António Vitorino, do professor da Universidade do Porto Carlos Alves e ainda do ex-administrador bancário Jorge Arriaga da Cunha. Para garantir que as recomendações que irão ser apresentadas no Livro Branco estão em conformidade com a realidade portuguesa, o IPCG procurou conhecer as melhores práticas das dez empresas com maior capitalização bolsista em Portugal. Para já, adiantou que o Livro irá recomendar a igualdade de tratamento de todos os accionistas, transparência, ética no conselho de administração e nos comités de auditoria e uma avaliação e controlo dos riscos pelo comité de auditores.
Para Artur Santos Silva, os administradores não executivos devem avaliar o desempenho e fixar as remunerações dos gestores executivos, além de preparar as listas candidatas aos órgãos sociais. O responsável pelo Livro Branco deixou claro que a figura do conselho fiscal deve ser substituída pela comissão de auditoria.
O Livro Branco, uma vez terminado, será debatido no seio do IPCG e só depois, lá para o final de Julho, deverá ser então divulgado publicamente. Para já fica a certeza de que o IPCG não está a prender-se a nenhum modelo específico. Artur Santos Silva explicou porquê: "Não vamos agarrar-nos a nenhuma solução que tenha sido provada com sucesso noutros países", disse, ao que acrescentou que haverá, contudo, princípios básicos que têm de ser respeitados. Para o responsável pela elaboração do Livro Branco, "a empresa deve adoptar o seu modelo e depois reportá-lo. O fundamental é provar que o seu modelo funciona".
Esta ideia de flexibilidade recolheu mais adeptos entre os oradores.Paulo Simões, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) acredita que "não há um modelo que sirva para todos. Os próprios modelos devem incorporar os elementos típicos da cultura organizacional". O homólogo brasileiro do IPCG é responsável pelo Código de Boas Práticas, que vai já na terceira edição. Este documento recomenda vivamente a clara distinção entre propriedade e gestão. Luta ainda para que todos os accionistas possam ter o direito ao voto [princípio da equidade]. Equidade, prestação de contas e responsabilidade empresarial são os três pilares em que assentará todo o código de boas práticas. Na opinião de Paulo Simões, o conselho de administração deve ser formado, na sua maioria, por administradores independentes. E para o conselho de administração o orador traçou funções muito claras: definir a estratégia, acompanhar a gestão, monitorizar o risco e indicar e substituir os auditores independentes.
Paulo Simões aproveitou a ocasião para explicar um pouco em que consiste o Novo Mercado no Brasil. Trata-se de um conjunto de empresas que assinam um contrato com a Bolsa de Valores de São Paulo ( BOVESPA) mediante o qual se comprometem a seguir os princípios de Corporate Governance. Para responder à diversidade do tecido empresarial brasileiro, existem dois níveis no Novo Mercado, em função dos compromissos que assumem. As empresas do Novo Mercado aceitam que todas as acções são ordinárias, com direito a voto e comprometem-se a que o "free float" - as acções em circulação no mercado - represente 25 por cento do capital da empresa, para além de passarem a fazer demonstrações financeiras mais detalhadas e uma reunião anual com analistas para discutir a situação financeira. Uma das grandes vantagens para as 33 empresas que já aderiram, entre elas a Companhia de Concessão Rodoviária, participada pela BRISA, é a oportunidade de conseguirem benefícios junto da banca.
Corporate Governance: princípios ou regras?
Outros dos oradores convidados foi Charles Mayo, sócio da Simmons & Simmons, que defendeu igualmente que ter um código para a Europa não é a solução porque os diversos países que a compõem apresentam grandes diferenças. Sugere, sim, que todos os códigos tenham regras em comum. Deixou claro que o Corporate Governance em Inglaterra é já uma realidade e que o país nem sequer foi pelo caminho da imposição. Os EUA, nestas matérias de Corporate Governance, optaram por impor regras às empresas, o que implica elevados custos derivados da Lei Sarbanes-Oxley. Uma escolha deliberada que permite, à partida, fazer uma selecção das empresas. Já o Reino Unido está mais próximo dos princípios do que das regras e, ainda assim, "muitas vezes são cumpridos a 100 por cento", afirmou Charles Mayo. Um caminho que, segundo ficou subentendido, Portugal deverá seguir.
Outra das experiências apresentadas foi a da Holanda. Huub Willems Esqé presidente do Enterprise Court de Amesterdão e viria a apontar o código russo como um exemplo de um código bem elaborado."Não sei se na Federação Russa os princípios de Corporate Governance tão elegantemente impressos são cumpridos, mas em teoria são formulados da forma como a Corporate Governance deveria ser", sustentou, avançando que a Holanda tem uma visão mais europeia do que são os princípios do Governo das Sociedades e de como estes devem alcançar as empresas."A Corporate Governance não consiste em regras terríveis para os CEO, mas em princípios que devem ser obedecidos e não há necessidade dos empresários terem medo", acrescentou.
Como afirmou, subsiste ainda na Holanda uma ideia errada da natureza, dos fins e das intenções das regras da Corporate Governance. Segundo este juiz, prevalece a ideia de documentos volumosos, muito pormenorizados, com regras parcialmente incompreensíveis, promulgadas por um órgão estatal - a comissão de valores e câmbios -, que impõe pesadas multas caso as regras não sejam cumpridas. Uma visão que está longe do que é, afinal, um código do Governo das Sociedades.
Com base na sua experiência de juiz, Huub Willems Esq defendeu que não se pode esperar que só a legislação seja suficiente para regular todas as questões relacionadas com a gestão das empresas. Mas sublinhou também que "o tribunal desempenhará um papel central no processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento da Corporate Governance. Tornar-se-á numa importante ferramenta educacional para acelerar o uso de boas normas de Corporate Governance nas empresas e para promover um maior desenvolvimento". Conforme explicou, o tribunal estabelece os princípios subjacentes às práticas de Governo das Sociedades que podem ser usados pelas empresas para criarem o seu próprio sistema de Corporate Governance."Moldando as suas próprias políticas de Corporate Governance, as próprias empresas podem determinar que regras e procedimentos, recomendados pelo tribunal, devem seguir ou se devem desenvolver novas regras e procedimentos em conformidade com os princípios de Corporate Governance estabelecidos pelo tribunal". Uma vez mais, a flexibilidade dos códigos a marcar este discurso que encerrou a primeira conferência do Instituto Português de Corporate Governance.
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